Miserabilidade

Enquanto divagava na janela de um ônibus, entrou um vendedor de balas, suplicando para que alguém pagasse a passagem para ele. Uma moça levantou-se e foi correndo em sua direção, dizendo que faria isso para entrar no "céus". Ele agradeceu o seu ato e disse que estava escrito na bíblia que o rico iria para o inferno por ser miserável. Diante à reflexão que nasceu com a situação, apesar de conceber a bíblia como um livro de metáforas, trago nas próximas linhas algo para ser debatido e pensado. 

O que é ser miserável? A avareza, incluída na turma dos sete pecados conceituados pelo cristianismo, não reconhece que a generosidade para com seus semelhantes estimula o solidarismo em uma sociedade que cresce cada vez mais seus parâmetros individualistas. A miserabilidade é a incapacidade de partilhar aquilo que se têm em abundância com aquele que nada têm. No novo testamento, há uma simbólica passagem de um jovem rico que queria instruções para seguir Jesus. Ao ver o coração do rapaz, Jesus solicitou que ele partilhasse toda sua riqueza com os pobres e após fazê-lo, estaria pronto para segui-lo. Contudo, o jovem se entristece e desistiu da ideia antes mesmo de colocá-la em prática. Percebeu que era incapaz de oferecer algo de si para o outro.

A frase irônica, usada por Jesus para ilustrar o caso, poderia ser compreendida mudando apenas uma palavra para que seu entendimento não fique retido nos aspectos materiais: "É mais fácil eu fazer um camelo passar em um buraco de uma agulha do que o Egoísta entrar no reino dos céus." Jesus, ao usar de uma ironia, afirmava com veemência que o Egoísta  raramente perceberia sua necessidade de modificar seus atos! Afinal, aquele que não remove os entraves dos próprios olhos, caminha na ignorância de si mesmo, incapaz de fazer algo para mudar as vicissitudes que denigrem o seu próprio espírito. Ser miserável não condiz apenas com aspecto financeiro. É comum relacioná-lo ao lado material. Mas a mesquinharia ocorre à níveis mentais, emocionais e espirituais. E garanto, há muitos miseráveis caminhando pela terra, incapazes de doar de si algo para a construção de um novo mundo com mais dignificação dos valores eternos do espírito e de sentimentos que edificam nossa existência individual ou coletiva.

A caridade não necessita de plateia e é silenciosa em seu intento. A generosidade, genuinamente advinda do coração, beneficia aquele que dar e aquele que recebe. Doar, isto é, partilhar o que muito nos foi dado, expande nossas energias no exercício do Amor.