A Viúva




Todos os dias Maria acordava para sua sistemática rotina. Levantava com o sol para cumprir todas as tarefas de sua infeliz existência. Apesar de no fundo odiar sua vida, tentava a todo custo manter aquelas paredes frágeis e falsas da única vida que conhecia. Tudo o que sabia da vida resumia-se a cuidar do lar e de um marido acamado pelos excessos e gozos de outrora. Maria não resmungava, mas ressentia-se em pensamentos queixosos das limitações de paredes que não permitiam ela abrir janelas ou portas. Mesmo não sabendo como era o mundo, Maria sonhava com o que poderia existir para além daquela existência entristecida pelas más escolhas que fez na vida.

Mas... Em um estranho dia, Maria acordou e percebeu algo diferente dos dias usuais. O marido acamado não abriu os olhos. A falta de pulso, o corpo gelado, músculos rígidos; deram o atestado de óbito e uma declarada viuvez àquela mulher que vira a vida resumida a cuidar do lar e de um marido que não amava. O luto fora inevitável e ela chorou por intermináveis dias. Mesmo que o amor que sentira pelo marido perdera-se na descoberta de traições, Maria viveu com ele apenas por medo de ficar sozinha. O medo faz coisas absurdas. Faz a gente viver o que não queremos e ser o que não desejamos. O medo faz estas coisas. Por dias, sentiu-se perdida mesmo que não desejasse aquela vida para si. Ela chorou e chorou... E declarou luto por alguns meses até que percebeu que viveu de luto durante muitos anos antes mesmo da morte do seu marido. Ela já estava de luto quando permitiu matar a mulher cheia de sonhos para viver ao lado de alguém pobre e miserável.

Quando se deu conta que já estava de luto há anos, decidiu que não ia chorar mais por mortos enquanto estava viva. Decidiu abrir as janelas e viu como tinha se esquecido de como era o horizonte. Destrancou as portas para atender as oportunidades que batessem nelas. Guardou o vestido preto e pôs um vermelho. Abriu a porta de casa e saiu por ela. Esqueceu de propósito as chaves daquele lar justamente para não voltar mais. 

Ela conheceu no caminho a liberdade e a liberdade trouxe a Maria o que ela jamais sonhou: a conquista de ser ela mesma.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Estrela + 9 de Espadas

Gita e os 22 arcanos do Tarô

Tarô - Uma expansão da Mente, Coração e Alma! [parte 2]