Dicotomia


Naquele finalzinho de tarde, nem tinha percebido que adormeci em seus braços. Havíamos assistido um filme anteriormente, um pouco cansativo que acabei dormindo na metade sem saber como se concluiu a história. Quando acordei, lá estava ele ao meu lado, me observando. Timidamente, ajeitei-me em seu peito. Senti, entretanto, que algo naquele breve espaço de tempo havia acontecido. Estranho ficou o ar entre nós dois. Percebendo o conflito, perguntei:

- Aconteceu alguma coisa? - indaguei-lhe, meio desajeitada, levantando-me de onde estava.

Ele olhou em meus olhos. Sabia que não conseguiria esconder o quê o perturbava de mim. No desencontro de nossos olhares, ele respondeu:

- O final do filme, me deixou atônito. - disse, com um certo ar de insatisfação. - Todos nós corremos o risco sério de nos frustrarmos, quando nossas expectativas não são realizadas.

Aquilo que ele me disse, não me assustava. Anos de vivência em relacionamentos amorosos, me auxiliaram de alguma forma, a tentar enxergar os sentimentos com menos idealizações. Evitava a todo custo, permitir-me idealizar algo entre nós, pois esta seria a relação que eu realmente gostaria que fosse mais construída nos moldes da "realidade". Mal acreditava que nesse inocente pensar, outra idealização se formava. Responder minha pergunta não tirou-lhe o conflito. Percebendo que seu incômodo em dar palavras a esses sentimentos confusos persistia, falei:

- É meio complicado separar nossos sonhos da realidade. Nossas expectativas em relação a uma pessoa ou com alguma situação, sempre continuaram permeando no círculo das nossas imaginações. Pego como exemplo minhas experiências no campo afetivo. Vim com uma pequena bagagem de algumas tentativas amorosas que não deram certo, que a princípio gerou certo desconforto, mas hoje, as vejo como um aprendizado. E isso não impediu que você escapasse de idealizá-lo. 

- É... Eu também confesso que a idealizei. E conforme fui a conhecendo, uma pessoa totalmente diferente surgia diante de mim. Alguém que demonstrava ser segura, vi muita insegurança. Alguém que mostrava-se tão decidida, não era mais que uma criança sem alguma direção para ir. - disse-me. - Isso me assustou. Foi a mesma coisa que comprar gato por lebre. Sabe, aquelas propagandas enganosas? Foi assim que me senti... 

- Talvez, nossas idealizações aí, se diferem. Desde que começamos a nos relacionar, tentei ao máximo enxergá-lo da forma que era. Meu ideal estava na forma de conceber o Amor, que só entendi depois, que cada um ama da forma que dar conta. Você é a primeira pessoa que consegue mexer tão fortemente com meus sentimentos. Toda vez que vejo o seu sorriso, é como se um tufão surgisse dentro de mim, fazendo-me ser apenas uma garota que se apaixona pela primeira vez na vida. E não é a primeira vez que me relaciono. - digo sorrindo. - Mas é a primeira vez que estou amando numa intensidade que só eu conheço.

Percebendo sua introspecção diante a resposta, perguntei-lhe:

- Mas... Você se arrependeu de ter começado a se relacionar comigo? Não quero forçá-lo a estar comigo...

- Uma parte de mim se arrepende. Outra parte, me faz estar hoje aqui, com você. Se estamos juntos, é porque têm uma vontade pessoal também.

Tudo bem, pensei. Ninguém tem certeza absoluta de nada. Certeza única, é que esse tempo que estamos unidos, não terá mais volta. Cada momento torna-se único. A noite ele me levará de volta para casa e amanhã, será um outro dia. Não fizemos contrato firmando eternamente nossas almas a estarem em um compromisso e nem nos avisaram que haveriam dicotomias. Contudo, se ele e eu estamos juntos, é porque de alguma forma, nossas vontades encontraram um acordo. Silenciosa é a semente que cresce em nossos corações e somente o tempo dirá, se há de vim a ser uma árvore ou somente uma flor, dessas que murcham devido ao deterioramento de suas efêmeras belezas.
              

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