Os meses engoliram anos

   Um pequeno estalo. Uma chama se acende. O cigarro em sua boca começa a queimar. Às 03:42 de uma madrugada fria de quarta-feira, sentado na calçada, ele ouvia o barulho da erva queimando, misturado ao meio-silêncio que qualquer cidade poderia proporcionar àquela hora. Enquanto a incandescência de seu cigarro se destacava em sua visão, a fumaça em seus pulmões o ajudava a relaxar. Encurvou seu corpo parcialmente visível, sentado entre dois postes, um deles com a luz fraca incandescente piscando. Quanto tempo fazia? Ele fez as contas: sete meses. Sete meses apenas? Como pudera sua vida mudar tanto em tão pouco tempo? Pareciam anos. Morando sozinho em uma cidade diferente, fechado em si, sua personalidade mudara muito. Lembranças vieram à sua mente: ele mesmo, poucos meses mais novo, bebendo em um bar com os amigos, rindo de uma piada. Rindo! quanto tempo fazia que ele não ria? Há quanto tempo sequer sorria?
     Parou de pensar, tirou o cigarro da boca e soprou a fumaça. Mais um trago. Sabia que tinha de acordar cedo, mas seus pensamentos não o deixaram dormir: sabia que não conseguiria fazê-lo sem antes pensar um pouco em si. Pouco tempo atrás, os mistérios de sua própria vida pareciam mais deslumbrantes, faziam seus olhos brilharem mais. Seu próprio corpo e sua mente eram mistérios a serem explorados. Agora, ele parecia compreender demais. Decepcionante. Seu corpo não mais proporcionava prazeres, sua mente não era mais tão misteriosa. Como pudera sua própria personalidade se tornar algo tão simples e compreensível, se nada mais no universo o é? 
   Desistiu de pensar. Amassou a ponta do cigarro na superfície do concreto da rua e, se sentindo um velho decrépito, entrou em casa e foi se deitar. Parte dele, de sua alma, ficou ali: jogada junto ao resto do cigarro e misturada à sujeira da rua. Apodreceu logo.  

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