Chuva (Conto)



Como imaginar uma existência seca, desprovida de água, fonte da vida?

Fazia meses que não chovia. Os moradores daquela pequena região sabiam perfeitamente que havia algo de errado com o clima. A estiagem estava afetando não só a colheita, como também o lado psicológico de alguns indivíduos, especialmente, o de Cíntia. 

Moça do interior, mal sabia ler e escrever. Entretanto, isso não era impedimento para que ela deixasse de aprender algo observando ou mesmo, experimentando. Ela frequentara outro tipo de escola, a Escola da Vida. Desde cedo, aprendeu que para sobreviver, era necessário deixar a brincadeira de lado e arregaçar as mangas para ajudar os pais na roça. Suas mãos calejadas denunciavam que o tempo era gasto apenas com o trabalho. Nas raras horas de folga, Cíntia se relaxava em um pequeno riacho que havia perto de sua casa. Gostava de ver a água percorrer seu corpo. Flutuava sob ela e nem sentia o peso de sua vida. Sentia-se se leve e até mesmo suas mãos pesadas, desenhavam delicados movimentos enquanto boiava na água.

Devido a forte estiagem daquela temporada, o riacho que Cíntia banhava, secou-se. Durante meses, ela ficou sem dar um mergulho ou mesmo ver a cara da água. A seca não poupara as plantas e nem mesmo os animais. O trabalho tornou-se mais dificultoso para aquele povo. A fome, a sede, o fardo, todos compartilhavam o mesmo destino, a mesma sorte. A única saída era mudar. Os antepassados viviam migrando para outros lugares, pois só através de mudanças, era possível encontrar um lugar melhor para se viver. Um dia antes de partir, um estrondoso barulho se expandia naquele céu. Todos olharam assustados e saíram de suas casas para conferirem. Avistaram no horizonte, gigantescas nuvens negras. Um vento forte passou por todos e fez com que a porta batesse. O vento trazia uma única mensagem: Esperança. 

Todos comemoram por aquela milagrosa notícia. Os pais e os irmãos de Cíntia entraram em casa para desfazerem as malas e prepararem um delicioso café. Ela permaneceu do lado de fora. Levantou as mãos para o céu e agradeceu, mesmo não sabendo se existia alguma existência superior para receber aquele agradecimento.

A chuva timidamente foi caindo. Cíntia sentiu a água deslizar por sua face. Um vento gelado beijou teu rosto. Um misto de alegria e tristeza tomou conta de suas sensações. Ela não sabia se ria ou chorava. Brincou entre os raios, brindou com a natureza. Seus irmãos, ao saírem lá fora, presenciaram aquela cena. Não hesitaram e correram para brincarem com ela. Brincavam pulando na poça, jogando água um no outro. Ela parou por um instante e observou que nunca havia brincado com seus irmãos. Ao ver o sorriso de cada um deles, sentiu que a existência já não era tão pesada. Sentiu-se leve e riu porque a chuva havia lavado sua preocupação e renovado suas esperanças.

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