Já tínhamos andado metade do
caminho. Estava mal iluminado e a única fonte de luz que víamos, era o céu que
estava absolutamente estrelado. Ela encostou-se a árvore como quem fosse sentar
em suas gigantescas raízes. Pegou seu enferrujado cantil, abriu e antes de dar
o primeiro gole, disse:
- Estou cansada. Não conseguirei
mais caminhar ao teu lado.
- Tudo bem. – respondi. – Daqui
para frente irei sozinha. – espantada com sua afirmação.
- Você irá ficar bem sozinha? –
perguntou.
A pergunta me causou certo
desconforto. O quê é estar realmente “bem”? Há anos venho lutando para
reconquistar minha liberdade. Adentrei por esse caminho, insegura e mesmo
diante de tanta escuridão, por incrível que pareça, estou me reencontrando. Sua
pergunta, entretanto, causou-me um súbito mal estar. Sua presença é como um
analgésico para minhas dores. Será que conseguirei dar mais passos adiante sem
ela ao meu lado? Acho que estou dependente demais, penso.
- Depende daquilo que você
gostaria de ouvir – disse após pensar muito. – Certamente, não ficarei bem sem
você. Confesso. Estou com medo daquilo que não vi e medo das sombras que me
rodeiam. Tenho medo de não encontrar a “luz” e cair nas redes da escuridão que
não tem fim.
- Já passamos por esse exercício,
minha querida. A sombra e luz são as mesmas coisas, mas com intensidades
diferentes. Uma depende da outra para existir e nenhuma das duas é dispensável
no Universo. Só temos medo daquilo que desconhecemos, e só é desconhecido
porque raramente temos a coragem para correr riscos, gastando muito tempo
alimentando àquilo que temos receio. Finde suas apreensões
encarando cada sombra que surgir no seu caminho. São importantíssimas para o
conhecimento verdadeiro de si mesmo.
Verdade. Penso. O que mais
fazemos atualmente é relutar que interiormente a “escuridão” se faz presente. Não
somos seres repletos de Luz. Aceitar essa condição é o básico para a iniciação
neste caminho. E quanto maior é a Luz, maior também é a Sombra que ela se faz,
por isso o cuidado é extremo para não cair nas armadilhas do Ego.
- Você ficou calada. – disse ela
– algo que eu falei te incomodou?
- Um pouco. – falei. - Você sabe.
Eu sou sensível demais e estou ainda me acostumando com a ideia que você um dia
vai embora. Entretanto, isso parece tão normal para você, que aparentemente
demonstra está no controle.
- Não estou aqui para te dar
rosas e sim, espinhos. E é melhor que enfrente alguns, muitos, milhares para
poder apreciar verdadeiramente a graciosidade de uma flor. E eu não estou me
controlando, apenas penso que isso será bom para seu aprendizado. Estivemos em
simbiose por tempo demais e eu estou cansada, já cumpri parte do meu carma, o
resto é contigo.
Ela estava certa. Não posso
deixar para que os outros resolvam aquilo que está sob minha responsabilidade.
Sua companhia, por mais espinhosa que me parecesse, trouxe-me aprendizados.
Mas, a jornada continua. O caminho está mal iluminado. Na minha bolsa carrego
comigo, alguns pedaços de pão que peguei na velha estalagem, ervas curativas e
meu livro. Não precisava de mais nada, já tinha tudo o que era preciso.
Ela me acompanhou de volta ao
caminho. Parou, voltou a me observar com ternura da qual pude ver em seu olhar.
Deu-me um lampião velho, com uma chama que quase se apagava. Em seus olhos,
senti aquilo que não ganhava forma com suas palavras: “sentirei saudades”.
Também, pensei. Mas este era o meu caminho e não o dela. Nossas estradas apenas
se cruzaram e aqui seria o momento onde deveríamos cada uma voltar para seus
respectivos caminhos. Andei a passos vagarosos com o lampião que mal iluminava
a via. Olhei para trás, para certificar-me que ela me acompanharia com o olhar,
mas ela não estava mais lá. Olhei para frente e o que vi foi uma completa
escuridão. Senti medo. Minhas pernas tremeram. Tornei a olhar pra minha mão e o
que segurava era um velho lampião, com um resquício de chama que fora capaz de
me iluminar até que o primeiro raio de sol surgisse no horizonte daquele dia...
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