Diálogos (Conto)




Não era todas as noites que deixava meu corpo físico adormecido, enquanto minha consciência astral volitava por um mundo invisível aos olhos mortais. Entretanto, naquela noite em especial, acordei em um lugar extremamente verde. Assemelhava-se com uma floresta, muito vívida por sinal. O entoar do cantos dos pássaros harmonizava o ambiente com energias revigorantes e um pouco distante, ouvia-se aquele inconfundível som de água. Me senti, imediatamente, atraída para um específico lugar. De longe, uma figura surgia, muito reluzente, perto de uma singela queda d'água. Logo a imagem embaraçada, tornava-se mais límpida, e as linhas de expressões faciais esboçavam um sorriso encantador. Eu já sabia, estava diante de meu mentor espiritual. Seu olhar carinhoso, me convidava a aproximar-se. A emoção era tamanha, pois raramente tinha a permissão para encontrá-lo. Me sentei do seu lado, embaixo daquela gigantesca árvore. As águas serenas e cristalinas daquele riacho, transmutaram meus pensamentos conflituosos, unindo-os em apenas um sentido: paz. Aquele ambiente me causava um tremendo bem-estar. Mergulhada em uma profunda meditação, ouvi uma voz, ecoar fortemente em minha mente e firme, assegurou-se a dizer:

- Por onde passarmos, deixaremos um pouco de nós, mas nem todos se lembraram perfeitamente de nossos feitos e pouco são os corações que nos guardaram nas memórias da eternidade. Não tenha medo de cair na rede do esquecimento. Conviver com a possibilidade do anonimato é um risco a se correr. Tenha em mente que somente lembrará da gente, quem nos importou para dentro de si. O tempo, não é infinito como imaginamos ser. Vivemos a vida, sem nos importar com o tempo, acreditando que ele é absolutamente infinito. Ele não é. E quando se deparar com essa problemática, não corra contra o tempo, pois a ação dele continuará imperturbável. O tempo passa despercebido para todos nós. Ao fim de cada minuto, o que era infinito acaba-se. As escolhas nos mostram, cedo ou tarde, suas consequências. O que um dia, considerou-se eterno, cessa no piscar de olhos. Não há como recuperar um tempo que se foi. Tudo é efêmero, inconstante, conflituoso e mutável nas areias que escorregam na ampulheta interna de cada indivíduo.

Suas palavras, tão sábias e ponderadas, fizeram acender em mim, a fagulha da dúvida. Meus questionamentos não eram apenas sobre a passagem do tempo e ação dele em nossas vidas. Minhas perguntas saíram de forma confusa:

- Minha vida vêm sido atualmente, uma busca por significados. Talvez, eu ande pensando bastante, pois não me dou satisfeita com as respostas vazias que não preenchem o meu anseio de querer saber. O que exatamente quero significar? Não sei. Quero saber o sentido de minha existência! Vivo esse conflito, afinal, questionar a própria existência não é sinônimo de incredulidade nas obras do Criador? O que gostaria de saber, liga-se ao meu propósito. Será que caminho em direção a ele? A ausência de uma dúvida é decreto de veracidade? Ou a dúvida faz parte do complemento existencial de cada criatura?

Ele sorriu, cerrando os lábios e continuou a me fitar por um longo período. Aquele sorriso, misteriosamente me acalmou. Abaixei a cabeça e pus as mãos sobre ela, desabafei:

- Acho que estou a um passo da loucura.

- Nem todos os loucos conseguem organizar suas ideias na folha de um papel. A loucura tem como uma das características a incapacidade de colocar em ordem os pensamentos e expô-los coerentemente. - disse - portanto, considere-se perfeitamente "normal". Estranho seria se você não questionasse, duvidasse ou mesmo entrasse em conflitos.

- Qual é o meu propósito?

Ele me fitou por alguns minutos e pediu para que eu fechasse os olhos e quando solicitou para que os abrisse, estávamos diante de uma família em algum lugar parecido com um shopping. Esta família era composta por uma senhora já de idade avançada, a filha dela (acredito), o esposo de sua filha e um filho do casal.

- Observe aquela senhora. Veja o quão calejado estão seus pés e suas mãos. Olhe para cada ruga em seu rosto e note que há uma história a ser contada. Provavelmente, ela passou por momentos tristes e felizes, mas as mãos denunciam muitas horas de trabalho debaixo do sol, plantando, colhendo, tecendo e também, cuidando de sua prole. Em cada calo, veja uma vitória. Entretanto, quando esta senhora partir, ela não será lembrada por muitos, mas os poucos que conviveram com ela, guardaram nas lembranças, algum semblante característico de sua personalidade. Mas... Você consegue imaginar, qual era o propósito daquela alma?

Olhava para senhora e nada vinha a minha mente. Cuidar de filhos, viver uma vida de árduo trabalho, tudo isso poderia servir como propósito? Vendo um outro conflito instalado em minha mente, ele continuou dizendo:

- Lembre-se, o que você considera grandioso, para muitos podem ser ínfimo, pequeno ou supérfluo demais. Tente enxergar com os olhos espirituais. Em cada corpo habita uma alma e cada alma há uma história milenar. Todos os trajetos percorrido por elas, são totalmente individuais, como um rio que nasce, divide-se no caminho em inúmeros percursos e posteriormente, reencontram-se Mar. As criaturas, vivem se debatendo na superfície, sem compreenderem ao certo o projeto da vida e o propósito espiritual de suas existências... Minha querida criança, esse propósito que tanto quer encontrar já está dentro de si, basta enxergar com os olhos espirituais. E para enxergar com os olhos espirituais, é certo que o próprio trabalho de lapidação, removendo os fluídos densos da matéria, serão necessários para ti alcançar essa graça.  


- Mas... Se... Se eu morrer e não for capaz de cumprir o meu propósito? Não quero ter que enfrentar a vida na terra novamente...

- Não lembrastes da palavra do Mestre: "Eu sou a ressurreição e a vida. Todo aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim, não morrerá eternamente."  Ou seja, a morte é uma ilusão, o mundo que estamos é o Maya, tão disseminado pela sabedoria oriental. O que morre é o corpo físico, mas o espírito, permanece vivo e tão vivo, poderá continuar trabalhando para cumprir os propósitos de sua alma. Agora vá, minha criança, descanse e reflita... A caminhada é longa, não precisa se afobar com seus próprios passos. Viva um dia de cada vez, tal como o Mestre nos ensinou.



E confie na Providência, ela não nos desampara jamais. 







  

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