Meu pai




Deixa eu escrever para humanizar isto que estou momentaneamente sentindo.

Meu pai foi embora pro Japão quando eu estava com apenas 9 dias de vida. Deixou minha mãe com uma criança recém nascida e outra de 3 anos. Eu nem consigo imaginar a dor que ela sentiu ao ser deixada para trás com tamanha responsabilidade de educar dois filhos. Também não sei se meu pai sofreu abandonando seus filhos para ficar 26 mil quilômetros de distância. Não sei destas coisas e talvez, eu nunca venha saber o que realmente aconteceu no mundo interno de cada um. O que sei é que esta escolha trouxe consequências para vida de todos nós de modo negativo e também positivo. 

Negativo, no sentido, que crescer em um lar desestruturado, com a falta de um dos genitores, não é um ambiente idealizado e desejado pela maioria das crianças. Uma criança só se sente segura ao ver seus pais juntos. E estes pais irão oferecer suporte, segurança e proteção para que elas se desenvolvam com o estímulo de suas habilidades criativas. Crescer sem um pai por perto me trouxe sentimentos de inadequação e insegurança por muitos anos e sei que a sua ausência afetou meu psicológico. Contudo, o lado positivo é que minha mãe pode se relacionar novamente e desta relação nasceu meus dois irmãos que tanto amo: Ítalo e Clarice. E, a pessoa com quem minha mãe se relacionou, nos educou (eu e meu irmão mais velho) e nos deu uma bagagem cultural a qual agradecemos eternamente. Ele pode não estar hoje com minha mãe, mas sabemos que o papel dele em nossas vidas foi muito importante. 

Mesmo não vendo meu pai biológico, ele tentou diminuir a distância com presentes e cartas estes anos todos (28 anos no total). E nunca nos faltou financeiramente. Eu entendo tudo isso, mas sempre faltou alguma coisa que o dinheiro e os presentes nunca foram capazes de substituir. 

Em 2017, decidi que estava na hora de encarar o meu pai. Entrei em contato com ele e começamos o processo para tentar tirar o visto. Não deu certo nesta primeira tentativa. E neste mesmo ano, Eu e Daniel começamos a namorar e conforme fomos amadurecendo a relação, decidimos que iríamos juntos pro Japão. Para irmos juntos, precisávamos estar casados. Final de 2018 nos casamos, acreditando que meu pai seria nosso fiador para o certificado de elegibilidade. Estávamos correndo atrás de toda documentação, acreditando que meu pai nos ajudaria. Mas, descobrimos no dia do nosso casamento no religioso que a situação dele não estava muito boa. Ele estava passando dificuldades extremas e isso nos movimentou para trazê-lo de volta pro Brasil. Eu, meu irmão mais velho e Daniel, nos dividimos para pagar a passagem de volta. E com muito esforço, ele retornou para o Brasil após 28 anos morando lá no Japão, distante de todos seus familiares, distante de todos os seus filhos.

É difícil entender o propósito da vida. 

Você acha que está livre do ressentimento e que não culpa seu pai por nada até começar a conviver sob o mesmo teto. Aí, você começa a cobrar ele (silenciosamente) por não ter tido atitudes mais sensatas. Você começa a achar ele o ser humano mais egoísta do mundo. Ele foi egoísta, não? Eu tô sendo cruel no meu julgamento? Talvez. Deixou uma mulher recém parida com duas crianças para viver sua "liberdade" e isso não chama-se egoísmo? Viveu 28 anos no Japão e nunca preocupou em levar seus filhos. Nunca preocupou em manter a família por perto, nunca preocupou com os irmãos que ficaram, nunca teve compromisso em suas relações. Sua própria mãe morreu e nem no enterro voltou para se despedir. Você também começa a julgar ele por ter sido mulherengo, por não ter tratado as mulheres com respeito, por não ter sido fiel com sua primeira esposa. Você pinta ele como vilão e o acusa de não ter sido um bom pai pela dor que causou em sua mãe, pela dor de ter crescido em um lar desestruturado, pela dor que semeou com suas atitudes egoístas e gananciosas. 

É difícil ter que lidar com todo ressentimento que achei que não tinha. E tenho. Tenho muito ressentimento ao estar de frente com o homem que pediu para que minha mãe me abortasse quando descobriu que estava grávida de mim.

É difícil ter que encarar o homem que ele foi e o homem que agora é e saber que ele precisa de determinados cuidados. 

É difícil entender o propósito da vida. Mas eu entendo a força do desejo e no meu íntimo eu queria muito encontrar ele antes dele morrer. O Universo concedeu a dádiva. Estou aqui, em sua frente, lidando com toda mágoa que há dentro de mim, lidando com minha criança ferida que é incapaz de dizer que lhe amo, porque sei que o amor é construído no dia-a-dia. Mas, no momento só há dedos para julgá-lo. Eu estou entre aqueles que acusam. Não sou tão misericordiosa assim. E em meio a tudo isso, existem pessoas que ainda estendem a mão para ajudar e esse auxílio nunca irei esquecer. Nunca. 

Talvez ele venha a falecer sem que eu tenha aprendido a amá-lo e não vou me cobrar por isso, não vou me culpar por isso, mas devo à ele respeito e também minha compaixão. Eu estou tentando trabalhar o perdão dentro de mim. Mas uma coisa é certa: ele não estará mais sozinho daqui pra frente. 

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