Algo que estava guardado em mim...




A multidão estava eufórica. As vaias e os insultos ecoavam por toda a parte. Os legumes podres eram jogados no intuito de me acertar. As pessoas gritavam: “Herege! Queime-a! Seguidora de Satã! Bruxa! Queime seus pecados nos inferno!”. Eu não conseguia compreendê-las. Minhas mãos já estavam atadas, que perigo poderia apresentar pra elas? Esperava, aflita, pela sentença que me condenaria à santa fogueira. 

Todavia, em meus pensamentos, me perguntava o quê fizera para atrair tanta hostilidade alheia. Um sentimento raivoso eclodiu. Ignorantes! Tudo o que fiz nessa vida foi tentar ajudar cada uma que passava no meu caminho e a recompensa que recebo é esta? Querem queimar meus pecados, mas suas mentes estão tão enraizadas com o ardiloso veneno! O fato de eu “ver” seres que eram consideráveis invisíveis ou inexistentes não era o real motivo para que estivesse aqui, nessa praça, servindo de espetáculo para este público ocioso. 

A sentença era claramente dita em voz alta: “Se pedires perdão e assumires tua culpa, é certo que estes servos de Deus poderão absolver teus pecados.” Entretanto, eu não era culpada, como poderia pedir perdão por algo que não fiz? Ah! Na verdade eu cometi o maior dos pecados. Eu entreguei meu coração a um rapaz. Entreguei meu corpo e minha alma. Entreguei-lhe meu mundo. Entreguei-lhe tudo! Mas fui traída. Eu deveria saber que não poderia confiar plenamente nesses nobres. Eu deveria saber que príncipes encantados não existem. Eu deveria saber que o amor verdadeiro é pura ilusão! Eu sei de tudo isso, mas agora é tarde. 

Ele não estar nessa praça e a sentença é declarada: “FOGUEIRA”! Sou amarrada com força. Suplico piedade. Levo um tapa na cara. Restou-me então um pouco de orgulho para permanecer calada protegendo aquilo que se sobrou da minha dignidade. Tudo está perdido. Nem o coro dos anjos consigo ouvir. Nem meu guia está do meu lado agora. Estou sozinha. Estou sozinha e com medo. Estou com medo de morrer. Abaixo a cabeça e as lágrimas descem. Ouço as incontáveis vaias da multidão. Meu Deus! Eles não sabem o que fazem. A fogueira é acesa. E aos poucos o fogo vai se alastrando. Sinto um calor sob meus pés. Uma batalha entre os sentimentos começara a ser travada. O Ódio e O Amor lutavam para ganhar a cena no meu espaço íntimo. 

Peço em silêncio, algo que mais parecia uma prece. “Piedade, Senhor! Eles não sabem o que fazem!” Abro meus olhos e sou intuitivamente chamada a olhar para um específico lugar. Lá estava ele, um pouco distante da multidão. Nossos olhares se encontraram. O homem que tanto amei e tanto odiei estava a minha frente. Um minuto foi o suficiente para se tornar uma “eternidade”. O tempo parou. As vaias, insultos e gritos se tornaram inaudíveis. E nada mais importava a não ser aquele momento. Lá estava ele na minha frente. Nada mais importava. Eu ainda o amava! Seus olhos me transmitiam culpa e pesar. Por favor! Não carregue essa culpa no seu coração! Suas lágrimas desciam compulsivamente. Ele havia recebido essa mensagem. “Eu ainda hei de te amar, eu ainda hei de te esperar na eternidade!... 


Algo transbordava de meu ser, algo muito quente, transcendendo tudo aquilo que eu era.  

O Fogo e eu éramos um só.  

O Ágape.

O Tudo e o Nada

In nonime Patris et Fílii et Spitiui Sancto. Amen.



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