Conto: Um Olhar


Eu a vi novamente. Meu coração passou dias ansiando reencontra-la. Ela estava radiante. Seus cabelos esvoaçavam com o bater do vento. Sua pele era suave e delicada. Possuía um olhar penetrante e um sorriso conquistador. Seu magnetismo era tão forte, que por onde passava, arrancava suspiros alheios. Meu coração começou a bater descompassado com sua aproximação. Ela estava a trinta centímetros de distância. Tentei cumprimenta-la e tudo que saiu de meus lábios fora um tímido e esforçado, “oi”. Passou por mim, percebeu o meu embaraço, sorriu de forma delicada e acenou positivamente com a cabeça.  Aquilo seria o suficiente para alegrar meu dia, pois minha pequena presença havia sido notada. 

Mas naquele dia, acordei decidido. Precisava chegar nela de alguma forma. Mês retrasado observava-a de longe. Mês passado, conseguir superar minha timidez e passei a cumprimenta-la. Contudo, queria ter mais contato, antes que meu interesse sentimental esfriasse. Os dias, porém, foram passando e sua presença tornou se rara. E nas raras exceções que a via, cumprimentava-a de longe. Teve um dia desses que não me contive e algo me impulsionou a cumprimentá-la. Disse “oi”, sorridente e ansioso, mas por ventura do destino, ela me recebera com um olhar indiferente.



Entretanto, aquilo não foi o suficiente para me abalar e decidido a continuar, na primeira oportunidade que a visse, a abordaria, confidenciando todo sentimento que mantinha por ela. E este dia chegou.  Lá estava eu, nervoso e com as mãos suadas. Quando a vi, não hesitei e caminhei em sua direção, dizendo: “- Ei! Como vai você? Andou sumida por muito tempo que senti sua falta!”. Pela sua cara, parecia surpresa, não disse absolutamente nada. Quase constrangido, ou totalmente, tentei desconversar, mas as palavras saíram confusas e a vergonha aumentava de acordo com o que eu falava:

“- Ah, o que estou fazendo? Quero dizer... Me desculpe. Seus olhos são tão bonitos. Não! Não era isso que eu queria dizer. Na verdade é. Ah! Não. Me desculpe por importuná-la! Venho observado você a muito tempo. Não! Eu não sou maníaco! Eu apenas observo você. Calma. Ah! Droga. Eu sempre tive vontade de conversar com você. Mas... Ai! Estou morrendo de vergonha...”.

O silêncio foi constrangedor. Ela estava parada, sem expressão, fazendo eu me sentir o cara mais idiota do mundo. Em minhas fantasias, havia lhe entregado meu coração, imaginando como seria nosso casamento e a casa cheia de crianças. Em meus pensamentos, éramos um casal feliz. Ilusões que vi se quebrando quando olhei praqueles olhos claros como o azul do céu, impenetráveis. Gesticulei com as mãos um “sinto muito” e sai envergonhado. Senti-me um ser derrotado, incapaz de dizer para mulher que amava aquilo que ensaiara dias na frente do espelho. O que fiz para ser tratado tão friamente pela mulher de minha vida (um detalhe que ela ainda não sabe)...


Os dias foram passando e essa moça continuava emanando uma aura incrivelmente apaixonante. Eu estava apaixonado, mas não queria que esse sentimento se transformasse no Platão. Observei (não sou maníaco) que ela, apesar de emanar toda aquela aura mística, mantinha-se afastada não apenas de eu, mas de TODOS! Não era o único azarado, afinal, todos queriam criar uma conexão com ela. Mas como faria isso? Foi aí que um insight divino surgiu. Se não podia me comunicar com ela através de palavras, poderia tentar uma comunicação mais visual, através do olhar. Louco eu estava, louco de amor. Havia lido um tempo atrás o livro de um mago, roqueiro, escritor, brasileiro, que contava a história de um pastor de ovelhas que decidira a correr atrás de seus sonhos. E em algum trecho, do qual no lembro-me agora, dizia que existia uma linguagem universal não muito utilizada: a linguagem dos olhos. Toda mulher do deserto era capaz de ler nas entrelinhas dos olhares de seus homens. Mas ela não era mulher do deserto e eu, muito menos Santiago. Mas e se realmente existisse esse modo de comunicação, porque não tentar? Se fosse mentira, cavaria um buraco e enterraria meus tesouros, prontamente, a minha cabeça também. Mas, se fosse verdade, passaria a minha vida ao seu lado, interpretando seu universo particular através de seu olhar.

Pronto.

Eu a vi novamente. Seus cabelos voavam rebeldemente com o bater do vento. Sua pele tão delicada e seu olhar impenetrável. A forma como seu corpo se movimentava fazia arrepiar cada pelo de meu corpo. Os milhões de átomos de seu sorriso eram como uma espécie de fotossíntese para meu ser. Desta vez, estava decidido. 


Caminhei com passos firmes ao seu lado, confiante. Parei a uma distância de trinta centímetros. Olhei nos seus olhos. Concentrei toda minha energia, tentando transmitir todos meus sonhos, meus desejos, minhas vontades, tudo aquilo que não soube colocar em devidas palavras e que passei meses da minha vida ensaiando na frente do espelho. Eu abri as portas de meu coração e entreguei-lhe a minha alma. Segundos sagrados. Ela continuou me olhando firmemente e eu a olhava, conversando telepaticamente. Sua face se ruborizava e seus olhos tremiam acompanhando o movimento dos meus. Eles ganharam um brilho diferente. Eu me via através de seu olhar e torcia para que ela também se visse através dos meus olhos. Ela abaixou a face, envergonhada. Eu suspirei aliviado, meu coração estava a mil. Havia passado a mensagem e ela captou.


De repente sou cutucado e ela aponta para um velho banco de praça da universidade que estávamos. Caminhei em sua direção, procurando uma posição confortável para me sentar. Quando sentei, ela veio até mim, e me deu uma flor do campo. Sorri muito feliz, pois era o melhor e mais sincero presente que havia recebido em toda minha vida. Eu e Ela, continuamos sentados, envergonhados e por incrível que pareça, era como se entendesse perfeitamente o que se passava por dentro dela. 

Ela tirou de sua bolsa dois livros. O primeiro era o Alquimista. Então, ela sabia da linguagem universal do mundo, pensei. Sorri pela coincidência, pois estava ao lado de uma pessoa que era tão sonhadora quanto eu. E o segundo, para meu espanto, era um livro de libras. 

Foi ai que liguei os fatos e me senti o cara mais felizardo do mundo. Há primeiro instante, me senti um pouco ignorante, mas isso não mudou o fato de que aprendi libras, casei-me com ela, tive maravilhosos filhos e que hoje sou feliz, graças a ela, que esteve ao meu lado, me incentivando misteriosamente pela força que via através de seu olhar.


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