As lágrimas escorreram pelo meu rosto antes mesmo que eu encontrasse palavras para explicar o porquê. Sempre foi assim comigo: emotiva, sensível, fácil de chorar. E, quando perguntam “por que você está chorando?”, a resposta muitas vezes é o silêncio. Não por falta de vontade de explicar, mas por não saber como. É um sentimento que simplesmente transborda. Não sei se isso tem a ver com o fato de eu ser autista, sinceramente... não sei. Só sei que ontem foi mais um desses dias: silencioso por fora, caótico por dentro.
Trabalhar com atendimento ao público tem dessas coisas. Aliás, acredito que toda empresa que lida diretamente com pessoas deveria oferecer apoio psicológico aos funcionários. Lidar com gente todos os dias exige muito mais do que técnica — exige paciência, empatia e um autocontrole que nem sempre a gente tem. Só quem vive isso na pele entende como é desgastante enfrentar clientes grosseiros, lidar com conflitos internos da equipe, resolver problemas que parecem não ter fim. Ontem, minha crise teve tudo a ver com isso.
Já são mais de 18 anos no comércio. Uma vida inteira atendendo os mais diversos tipos de pessoas, enfrentando os dramas da loja, ouvindo músicas que não me agradam, porque "é o que o povo gosta". O cliente quer agilidade, quer desconto, quer tudo ao mesmo tempo. E, sim, tenho notado que a clientela está mais impaciente do que nunca. Não sei se tem influência do governo atual, mas é nítido que o comportamento mudou. Durante a pandemia, no governo anterior, mesmo com todo o caos, não via tanta gente pedindo desconto como agora.
E esse cansaço que eu sinto não é só meu. Hoje mesmo, uma jovem de 32 anos, subgerente de uma loja de roupas, me contou, com a pressão arterial nas alturas, que está à beira de um colapso. Trabalha mais de 12 horas por dia, sem direito a almoço, administrando os próprios conflitos e os da equipe. Ela chorou, e eu confessei que me sentia igual. Exausta. Porque é mesmo muito difícil lidar com pessoas o tempo todo. Acho que meu surto tem tudo a ver com isso.
Cheguei em casa e desabei. Chorei muito. E quem me segura nesses momentos é meu marido — o único que consegue ouvir meus lamentos, me aconselhar e me acolher de verdade. A origem do surto era clara: cansaço mental e a frustração por mais uma expectativa que não se concretizou — mudar de área.
Quero deixar o atendimento ao público para trás e migrar para a tecnologia. Essa vontade surgiu um pouco antes da pandemia, quando eu ainda trabalhava em uma loja de festas no centro de Betim. Me planejei para fazer um tecnólogo e, assim que terminasse, procurar um emprego na área. Mas aí veio a pandemia, e com ela o ensino remoto. Me formei no EAD, sem nunca ter vivenciado a prática. Depois, entrei em uma farmácia, onde não tinha nenhuma experiência, achando que seria algo temporário até conseguir uma oportunidade na área. Quatro anos se passaram.
Voltei à faculdade, agora buscando um bacharelado, com a esperança de ampliar meu networking e conhecer professores e colegas que pudessem me inspirar. Mas a entrada no mercado de TI é árdua. Vejo colegas prestes a se formar que ainda não conseguiram sequer um estágio. Eu mesma já bati em tantas portas... e elas continuam fechadas. Tive momentos em que pensei em desistir. É difícil continuar tentando quando tudo o que você recebe em troca é silêncio.
Ontem, depois de chorar e tentar me recompor, fui para a faculdade achando que já estava melhor. Mas bastou sentar no canto da sala para as lágrimas voltarem. Eu estava completamente sem controle emocional. Chorei e, felizmente, recebi apoio de alguns colegas. Eles me incentivaram a seguir, a não desistir. Ainda assim, eu estava destruída. Saí da sala chorando e encontrei meu professor no corredor. Ele, que geralmente é brincalhão e fala mil coisas ao mesmo tempo, me olhou com seriedade e disse algo que me tocou profundamente: que realmente é difícil entrar na área, que ele mesmo só conseguiu emprego um ano depois de se formar na PUC. Foi um pequeno alívio ouvir isso. Um sopro de esperança. Mas, mesmo assim, fui embora chorando naquela noite silenciosa e caótica.
Acho que assustei algumas pessoas no caminho. Gente curiosa, né? Nunca viu alguém chorando, uai?
Hoje, mesmo sem conseguir enxergar um futuro sólido, agarro-me a uma única certeza: quero mudar de área. Quero uma nova profissão. Ainda que eu duvide do meu potencial às vezes, acredito que, se me ensinarem direitinho, sou capaz de fazer um bom trabalho. Pode não ser brilhante ou genial, mas será feito com empenho, com dedicação. E se sou assim num trabalho que já não me motiva, imagina o que posso fazer num lugar onde me sinta valorizada?
O que eu sonho? Um bom salário, escala 5x2, vale-alimentação, vale-refeição (por que não os dois?), gympass e, quem sabe, meu tão sonhado vale-cultura — só para comprar meus livros.
Sei que problemas vão existir em qualquer ambiente. Não espero um lugar perfeito. Mas quem já passou 18 anos trabalhando com salário mínimo, escala 6x1 e salário comissionado sabe que qualquer melhora já é um alívio.
É isso, somente isso.
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