ATO TRÊS: "O TATO"




Não sei por quantos segundos permanecemos olhando um para o outro. O contato com os olhos tinha um efeito poderoso. Era como se olhar nos olhos de Cristina, me permitisse enxergar que éramos humanos. O olhar humaniza. Só quem olha nos olhos do outro, sabe que somos semelhantes em nossas alegrias e tristezas; que carregamos a dor como também a cura; que ferimos uns aos outros porque desconhecemos outros modos mais suaves de se relacionar. Ao tocarmos o outro, sabemos que o toque deve ser feito como quem pega uma rosa para apreciar sua beleza. Você precisa aprender a segurar uma rosa com seus espinhos. Os espinhos alheios nos machucam, mas também não estamos isentos de tê-los. Os nossos espinhos podem ferir tanto o outro quanto à nós mesmos.

Quando me pego tendo esse tipo de pensamento, percebo que algo estranho está acontecendo. Qual foi a última vez que olhei nos olhos de outra pessoa e senti que através deste olhar eu me tornava mais humano? Não me lembro. Nunca tive um contato humano mais próximo como estou tendo agora com Cristina. 

Cristina se distancia um pouco ao perceber meu travamento diante de sua aproximação. Não sabia como deveria agir e tampouco conseguia ultrapassar as barreiras da minha timidez para beijá-la. Mesmo que a tenha desejado desde o instante que a vi, eu não podia tocar nela. Eu não era o tipo de homem que Cristina procurava. Sou fraco, mesquinho e hipócrita, além de tudo, irônico. Meu humor é ácido, meu pessimismo é intragável e sou sedentário. Dispenso romantismo e não acredito no Amor. E para completar o pacote de cara imperfeito: estou decidido a me matar. Não seria a solução na vida dela. Seria um baita problema. Cristina merecia algo melhor. E eu não era capaz de dar este "melhor" para ela. 

- Paulo... Acho que voltarei para o trabalho. - disse. 

- Tudo bem, te acompanho até a saída do parque. 

Tudo bem? É só isso que você irá responder? A mulher dos seus sonhos está do seu lado, abrindo seu coração e mostrando que sempre teve interesse em você e você só diz: "tudo bem"? Você não bate bem das ideias, meu amigo. O que eu devo fazer? Agarrá-la pela cintura e tascar um beijo? Acha mesmo que tenho coragem pra fazer isso? São tantos os pensamentos divergentes enquanto vejo a cara de decepção da Cristina com minha resposta: "tudo bem". Não. Não está nada bem. Eu sei que não está. Ela também sabe. Ela sabe que não é a única que guarda segredos e está esperando que eu revele toda a verdade. 

- Você acha que eu deveria voltar para o trabalho hoje? - perguntou. 

Hum! Que difícil responder. Eu não quero responder isso. Será que ela se contentaria com meu silêncio? 

Olho para ela e minha cara expressa: não sei a resposta. Alias, não sei NEM o que está acontecendo comigo. Estou desconcertado desde as últimas 4 horas.  

- Você está bem, Paulo? - pergunta mais uma vez e desta vez, ela pousa a mão sob meu antebraço. 

Uma corrente elétrica percorre meu corpo e meu coração bate mais forte. Graças a genética, coro facilmente a ponto de ficar vermelho igual um pimentão. Cristina percebe meu nervosismo e desliza sua mão para encostar na minha. 

- Não tenha medo. Eu não vou te machucar. - falou. 

Ao mesmo tempo que quero tirar suas mãos de cima de mim, desejo que me toque. Meus pensamentos divergem o tempo todo, mas sei que quero afastá-la de mim porque tenho medo que meu toque a machuque. Eu não posso amá-la do modo como espera. Eu sou tolo. Eu sei. Não imaginei que ao convidá-la para almoçar, me depararia com esta situação. Cristina sempre foi interessada em mim e eu sempre permaneci cego e nunca dei a chance de conhecê-la por estar mergulhado na dor de ser eu mesmo. Não quero que ela me toque. Não quero que ela tenha conhecimento de quem sou. Ela não me aceitaria. 

- Por favor, não me toque. - disse para ela sem refletir as consequências que estas palavras teriam. 

Cristina me olha assustada e retira rapidamente sua mão de minha mão. Ela vira de costas e retorna para o caminho que nos levaria para fora do parque. Acho que me expressei mal. O trajeto foi percorrido com ela andando na frente e eu, à quatro passos atrás. Sei que ela está chateada. Eu também estou chateado. Mas não sei como agir desta vez. Um beijo poderia ter consequências até piores que minhas palavras ditas agora pouco. 

Não entendo, contudo, por que estava fugindo do contato com ela. Sempre a desejei. Não é mentira. Cristina me despertara atenção desde o instante que a vi: entrando triunfalmente pela porta daquele escritório, jogando seus cabelos encaracolados de lado e sorrindo de modo gracioso. Seu sorriso tinha vida! Ela conseguiu chamar minha atenção no ápice da minha depressão. Ir para o trabalho, tornava-se uma motivação. Eu consegui levantar esses dias todos e encarar minha vida fracassada só para vê-la e estar por algumas horas em sua presença. Logo hoje, no dia que decido não existir, a mulher dos meus sonhos está querendo ser abraçada e amada como se não houvesse amanhã. E... de fato, o amanhã não existirá para mim dentro de algumas horas, então... Por que não me permitir esse ato? Por que não abraçar a mulher dos meus sonhos? Eu não decidi viver o último dia da minha vida sem arrependimentos?

- Cris! 

Ela parou de caminhar e antes que pudesse se virar, eu já estava abraçando-a. 

- Paulo... 

- Não diga nada por favor. Só me ouça. 

Ela consentiu com a cabeça e continuei.

- Eu a desejo tanto, tanto, que tenho medo que meu abraço a machuque. Eu te quero tanto, tanto, que tenho medo de lhe ferir por não ser aquilo que você espera que eu seja. Mas continuo te desejando, continuo te querendo e se este fosse meu último dia na terra, existe apenas uma mulher que gostaria de ter em meus braços. Esta mulher é você. 

Cristina se vira e me olha nos olhos. Ela toca minha face com cuidado. Suas mãos são tão macias quanto plumas. Por um momento, desejei ter ela ao meu lado até o fim da vida. Minhas mãos passeiam por suas curvas. Sinto o seu perfume penetrar minha essência e tomo as rédeas do meu corpo para não perder o controle. Desejo tê-la por completo. Desejo penetrar teu âmago, conhecendo tudo aquilo que guarda nas profundezas de sua alma. Desejo que esta mulher fique comigo mesmo que eu não seja digno de estar ao seu lado.

- Cris... 

Cristina me beija apaixonadamente e era como se naquele momento o passado de ambos não tivessem mais palavra ou força. A única força presente entre nós era o desejo que tínhamos um pelo outro. Seu beijo tinha a capacidade de fazer espairecer todos os pensamentos de minha anuviada mente. O toque de suas mãos tinha uma estranha capacidade de acolher minhas feridas. Ao seu lado, não me sentia julgado por quem eu era, mas aceito com minhas imperfeições e defeitos.

Cristina não deixou de segurar minha mão após os segundos mais intensos de minha vida. O calor que emanava de suas mãos me dava uma única certeza: eu e ela, estávamos vivos, compartilhando de modo pleno e absoluto algo que não era capaz de ser nomeado e tão pouco mensurado.

O calor de suas mãos me dava a certeza: eu ainda estava vivo. 

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